Friday May 19, 2023

Querelas, bulhas, porrada de meia-noite... Uma conversa com João Pedro George

Queres ver que depois desta continuam a jurar a pés juntos que não há polémicas no meio literário português? Se calhar até têm razão, porque para haver estrilho, drama, seja o que for, antes de mais nada, era preciso que esses mesmos que nunca dão por nada dessem por si mesmos, tivessem algo que os fizesse viver que não fosse apenas algum esquema que lhes sustente a videirunha à portuguesa. No meio de patranhas sucessivas e incontroláveis é possível que tenham perdido o fio à meada e talvez por isso a maior parte prefira agir na sombra como os percevejos e as ascárides dos intestinos dos cães. 
Ao sétimo episódio fomos buscar reforços e, ao mesmo tempo, ensarilhar cornos com o homem baptizado por um dos nossos conachos de plantão  como o "crítico bulldozer". João Pedro George, cronista e sociólogo que se lançou sobre o campo literário português como uma praga das antigas, graduou-se faz uns bons anos com “Puta Que os Pariu!”, uma das mais criteriosas e proveitosas biografias por cá aparecidas, e que garantiu a Luiz Pacheco um fantasma com ossos pesados o suficiente para esbofetear e deixar marcas num meio literário com tanta pressa em esquecer os vultos que mais sombra fazem aos seus pequenotes. 
O cadáver literário anda aí, arrastado pela corrente, e ninguém o puxa das águas. Com tanto exame das propriedades do espírito da literatura, o que tem faltado são perícias forenses. E mesmo sem pensar em grandes testes de laboratório, é imensa a margem para alinhar pistas relevantes sobre um crime que todos reportam, todos lamentam, mas poucos se arriscam a fazer pela literatura o que um Poirot, Miss Marple ou Holmes fizeram pela resolução de homicídios. Ainda que ficcionais, os princípios, a dedicação a recolher provas é a mesma, e aquela que busca uma explicação aplica-se do mesmo modo à realidade. Graças a um insaciável espírito inquisitivo, e alimentado pela sua inclinação obsessivo-compulsiva, João Pedro George prova ser um temível farejador dessas pistas e rastros que conduzem aos aspectos mais sinistros da nossa vida cultural, desmontando assim enredos sórdidos ou simplesmente patéticos. George é o nosso comissário Maigret no que toca a crimes literários. Não com um faro tão apurado como Poirot, não tão surpreendente como Miss Marple, nem tão genial como Holmes, mas ferozmente cínico, com os pés assentes na terra, paciente, empenhado, é o crítico que, entre nós, menos receio tem de arregaçar as mangas, sujar as mãos nos aspectos menos gloriosos, mais patéticos da vida literária. 

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